RESPOSTA À INTRIGA E À DIFAMAÇÃO

domingo, 1 de fevereiro de 2009


Carlos Escóssia*
Vivemos um mundo de anonimato, onde o sentimento de solidariedade e reconhecimento do “outro”, é buscado fervorosamente através de slogans, campanhas e propagandas. A solidão cada vez mais deixa de ser imposta, para ser optativa, como se pudesse ser encontrada no silêncio, a paz que se busca a todo instante. Com a violência crescente, todos se protegem, se fecham, se cercam de grades e cadeados; os muros das residências são aumentados, os portões eletrificados; os vidros dos carros fechados, o dinheiro é escondido e teme-se até a sombra do próprio corpo ou o eco da própria voz.
Talvez o mais cruel e doloroso de tudo isso, seja perceber que o agente causador de todos esses transtornos, somos nós mesmos, representados na pessoa de outrem. O individualismo egoísta, que busca o melhor para si e anula os demais, promove um viver confuso e estressante. Wilhelm Reich alerta para os malefícios que esse fenômeno provoca e tenta despertar a todos dessa inércia, com um apelo contundente, sério e um tanto ríspido, quando exclama: ESCUTA, ZÉ NINGUÉM!
E a quem ele se refere? A você, a mim, a qualquer um e a todos nós, participantes ativos ou passivos, da ciranda da vida. Cada um desses é personagem irreconhecível em meio ao papel insípido que desempenha. São “ninguém”, porque se acomodam em não ser mais do que isso. Acumulam-se em multidão, clama valores nunca concedidos, reclamam direito sempre violados, sonham ganhos nunca alcançados, almejam circunstâncias improváveis, desejam sonhos impossíveis, esquecem rapidamente o passado, manipulam erroneamente o presente e não alimentam expectativas coerentes e substanciosas para o futuro.
Os ideais que lhes sustentam são frágeis e alheios às suas necessidades. São como que implantados em seus cérebros e por eles incorporados, como se naturais o fossem. Uma inércia absolutamente controlável, parece se abater sobre esses indivíduos, que vão incorporando idéias e valores que não são seus e permitindo que se fragmentem por completo, o que lhes é próprio. Por isso, o autor grita: “ESCUTA, ZÉ NINGUÉM!...(...) Nenhuma força policial do mundo poderia prevalecer contra ti se tivesses ao menos uma sombra de respeito por ti próprio na tua vida cotidiana se tiver a profunda convicção de que, sem teu esforço, a vida na terra não seria possível por nem uma hora mais. (...) chamam-te ‘proletário do Mundo’, mas não te dizem que tu, és responsável pela tua vida, em vez de seres responsáveis pela honra da pátria” (WILHELM REICH, 1993:29).
As palavras transmitem a noção de valor humano que o autor vislumbra em cada Zé Ninguém que habita este país. Um valor obscurecido, esquecido por sob as inumeráveis figurações plurais que são maciçamente difundidas para que se possam ser absorvidas como individuais. E esse coletivo alheio e distante, vai aos poucos, substituindo o que deveria ser peculiar a cada um e nesse processo é que se constrói o Zé Ninguém; esse que luta pelo que jamais será seu, que acredita no que lhe convém, que apreende o que lhe sufoca e abandona o projeto de liberdade que deveria perseguir com pressa e convicção.
É com o propósito de sacudir o marasmo instalado, que esse livro foi escrito. Para que cada um olhe para si mesmo e aprenda o que lhe compõe: seus interesses, suas convicções, seus desejos, suas necessidades, suas potencialidades, seus medos, suas limitações, sua força...
O livro é um “soco no estômago”, na medida que expõe a verdade sem subterfúgios e convida para a arena, à luta pelo que será (ou não); mas é também uma tábua de salvação para os náufragos da vida uma vez que conclama para esse despertar, para que se processe uma vivência completa e plena, mesmo em suas lacunas.
O imperativo que se depreende a partir da leitura, é que urge uma auto-reflexão (de cada um e do coletivo, em uníssono), para que se perceba o que está empenhado e como desembaraçar esse nó. Além disso, a abordagem clara é de desmistificar a crença de que o caminho é um só e já foi traçado, só restando seguí-lo. Isso não é verdade. O caminho é desbravado a cada dia com ações e palavras advindas de um lugar qualquer, desde que reflita o ensejo de mudança do cenário que ai está. Portanto, se você não ocupa hoje neste país, um cargo ou função que lhe possibilite alterar o rumo das coisas; se você faz parte dos milhões que assistem estupefatos ao ininterrupto passar de dias sem que o cenário sofra mudanças substanciais; você certamente integra a incalculável multidão de Zé Ninguém, a que se refere o auto. E se sua posição e condição não lhe satisfazem, se você não analisa como satisfatória a situação do nosso país e do nosso viver; então você não pode se omitir, não pode fechar os olhos para a mensagem de Wilhelm Reich nos confia neste livro. Escuta: A vida e o mundo te pertencem, levanta e assume teu nome, para que não mais exista motivos para alguém denominar-te de Zé Ninguém.
*Este artigo foi motivado pela leitura do livro: ESCUTA ZÉ NINGUÉM! De Wilhelm Reich – Publicações Dom Quixote, 11 ed. Lisboa, 1993.

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